O que influenciadores virtuais e inteligência artificial nos dizem sobre valor da imagem e os limites do real | 💌 Desculpa o Flood #10
Celebridades, influenciadores e assistentes virtuais que causam impactos bastante reais na sociedade, na cultura e no entretenimento
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Nas últimas semanas, começou a pipocar nas redes sociais um vídeo da Kendall Jenner. Poderia ser só mais um dia normal na internet, se não fosse pelo fato de que não é a irmã Gen Z das Kardashian no vídeo e sim sua imagem gerada por inteligência artificial.
Kendall é Billie, sua amiga para quando precisar de qualquer conselho. Tom Brady é Bru, pronto para debater qualquer esporte. Paris Hilton é Amber, detetive para resolver mistérios.
As celebridades venderam suas imagens para a Meta usar em seu novo assistente de IA. Elas viraram chatbots ao estilo ChatGPT, mas com personalidade e rostinhos bastante conhecidos. Ao todo, são 28 perfis que serão incorporados ao WhatsApp, Instagram e Facebook. Um desses contratos chegou a 5 milhões de dólares. Mas, considerando todas as implicações, seria esse valor uma barganha?
Essa novidade tem várias camadas de complexidade, desde o uso da imagem das celebridades para endossar marcas e produtos diferentes daqueles com os quais elas tem contratos comerciais até para se pronunciar em relação a temas sensíveis, como política e guerras.
Como diferenciar o verdadeiro Tom Brady de Bru, o Tom Brady de IA?
E se alguém pedir para o Mr. Beast dizer que Hershey’s é melhor que Feastables, sua marca proprietária?
Antes mesmo do aparecimento da inteligência artificial, o uso de informação falsa para influenciar na tomada de decisões, manipular massas e mudar a direção de sociedades inteiras já era um recurso popular. Sem precisar ir muito longe, o filme Privacidade Hackeada ilustra bem como essa estratégia foi usada nas eleições de 2016 nos Estados Unidos e no mundo.
Mas para além da criação explícita de fake news e as complicações de endosso, me inquieta um elemento mais sutil da questão: qual a linha que separa/define o que é real?
Recentemente, a influenciadora Lil Miquela foi contratada para uma campanha pela BMW. Ela tem 19 anos, é cantora, defensora de diversas causas sociais, mora em Los Angeles e tem 3 milhões de seguidores no Instagram. O único detalhe é que Lil é virtual, criada por computação gráfica.
Durante a pesquisa para essa news, me deparei com um vídeo que dizia “conheça Lil Miquela, a influenciadora que não existe” e várias matérias que concluíam que “Lil não é real”. Mas como dizer que não é real, se está até fechando contrato milionário de publicidade com a BMW?
E não só com a BMW, em 2018 ela foi contratada como influenciadora pela Prada durante a Semana de Moda de Milão. No mesmo ano, a revista TIME a incluiu na list a das 25 pessoas mais influentes da internet. Suas músicas têm mais de 185 mil ouvintes mensais no Spotify. Seu canal no Youtube tem 276 mil inscritos e milhares de visualizações.
Lil não é a única.
A internet entrou em colapso quando descobriu que Shudu, supermodelo negra, que chamou atenção ao ser repostada pela Fenty, era uma criação em 3D. Shudu tem mais de 240 mil seguidores no Instagram e também já fechou contrato com diversas marcas.
Anos antes, a japonesa Hatsune Miko já fazia shows lotados. Abriu inclusive show da turnê de Lady Gaga. Ela é uma personagem de computador com voz sintetizada que, em apresentações ao vivo, é projetada como um holograma.
Inclusive, recentemente, um japonês gastou cerca de R$ 85 mil para se casar com ela e “luta pelo direito de amar personagem fictícia”.
Mais do que o questionamento sobre os limites do real, isso também evidencia uma percepção do quanto nossa sociedade valoriza a imagem, a representação. O livro “A Sociedade do Espetáculo” inicia com a seguinte citação:
“E sem dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser...”
Semana passada, assisti uma palestra do Pedro Alvim, Social Media e Creator Economy Director do Magalu, no RD Summit, onde ele trouxe o seguinte dado:

Na mesma palestra, trouxe uma pesquisa da HypeAuditor 2022 que mostra que influenciadores virtuais tem taxas de engajamento quase 3 vezes maiores que as taxas de engajamento de influenciadores reais. Essa tendência é consistente pelo segundo ano consecutivo.
Inclusive, a Lu do Magalu, é a influenciadora virtual mais seguida do mundo. Por que não a trago aqui como exemplo? Porque todos sabemos que Lu é um personagem de marca. Ainda que tenha sido criada com personalidade, tom de voz, história. Por mais que façam um ótimo trabalho em personifica-la, ninguém chega a confundi-la com uma pessoa real. Não se cria aquela mistura ilusória.
Me intrigam as narrativas que se confundem com a realidade física, que geram o que já foi chamado de “paradoxo da enganação”.
No que essas influenciadoras virtuais são diferentes de nós, que publicamos apenas os recortes maquiados das nossas vida nas redes sociais?
O que podemos considerar como real se tudo é perspectiva e tem impacto nas nossas relações, comportamentos, percepções?
Essa distorção não é uma exclusividade da inteligência artificial ou das deepfakes. Em um nível básico, a perspectiva de uma câmera pode contar uma história muito diferente da perspectiva de outra câmera. A "verdade" capturada por uma foto é facilmente distorcida por uma série de fatores.
Não é de hoje o valor que se dá à imagem. Basta olhar para quando nem existia a palavra escrita. Muitos anos de história foram passados adiante por meio das imagens.
Mas a computação gráfica, as redes sociais e, agora, a inteligência artificial adicionaram novas e complexas camadas à questão.
Não há mais separação entre o mundo físico e o virtual. Nessa fusão, é importante entendermos que a relação social entre pessoas é mediada pelas imagens e, no meio do caminho, o valor que se dá a elas.
Enquanto isso, pessoas criadoras de conteúdo creditam todo seu valor unicamente às suas produções.
Eu tenho uma amiga que é uma verdadeira produtora audiovisual. Os vídeos que ela cria tem a qualidade daqueles produzidos por estúdios caríssimos de São Paulo. O que ela representa em seu nicho agrega ainda mais valor para essas produções. Ela tem uma audiência de mais de 100 mil pessoas. Só que ela é só mais uma entre tantas com medo de cobrar "muito" de empresas milionárias . “É só um vídeo de um minuto, com umas imagens que eu já tinha, vão me pagar mil reais". É uma desvalorização completa da própria imagem.
A Kendall Jenner, o Tom Brady, o Mr. Beast, as maiores celebridades e criadores do mundo venderam suas imagens por 5 milhões de dólares para uma empresa com 864,27 bilhões de valor de mercado. Tá entendendo?
Quantas pessoas andam por ai barganhando sua imagem, quando no final ela é tudo que temos?
Quanto mais nós, reles mortais, pessoas comuns, criadores de conteúdo, demorarmos para entender isso, mais continuaremos agindo e sendo tratados como meros coadjuvantes em um jogo que não existe sem nós.
Obrigada por ler até aqui e desculpa o flood :)
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